Como a constelação familiar pode nos auxiliar na busca por uma vida com mais saúde e equilíbrio?

Grupo Editorial Pensamento
9 min readAug 10, 2020

Respeito muito Dagmar Ramos como facilitadora brasileira que, por um lado, tem grande experiência no trabalho com Constelações Familiares junto a clientes que enfrentam desafios em situações de relacionamento ou sofrem as consequências de problemas de família, às vezes inconscientes. Por outro lado, ela detém um vasto conhecimento sobre doenças e distúrbios mentais graves. Ao mesmo tempo, desce a fundo nas dimensões existenciais do trabalho de Constelação, com seus aspectos espirituais e transpessoais. Ainda assim, suas descrições são sempre bem fundamentadas. Emprega uma linguagem acessível, de fácil leitura, e não faz concessões a níveis ou construtos vagos.

Essa competência e esse espírito podem ser hauridos diretamente nos textos e estudos de casos desta obra que conta com um imenso poder de síntese. O resultado é um livro palpitante, baseado em pesquisas sérias, e de leitura atraente. Fornece, aos leitores interessados, inúmeras sugestões referentes às suas próprias Constelações de relacionamento e interações contextuais, além de proporcionar aos facilitadores iniciantes farto material de reflexão sobre e para sua prática.

Este é um livro que aborda, de maneira notável, os desafios da existência humana — portanto, em última análise, trata-se de uma obra sobre as duas maiores questões da vida: o amor e a morte – GUNTHARD WEBER

A felicidade está na atenção a um detalhe. Como se o resto se ausentasse para admitir a força de um instante perfeito – VALTER HUGO MÃE

Ao mergulhar nas tramas humanas poeticamente descritas por esse grande autor português, reconheço aliviada muitas de minhas reflexões diante das vivências compartilhadas no consultório médico e em atendimentos com Constelações Familiares. Por intermédio desse método psicoterapêutico, o fenômeno da alma humana se revela em suas profundezas, desafiando nosso olhar e nossa percepção plena, ensinando-nos a reconhecer, assim como nos livros de Valter, “as mil humanidades que há dentro de cada um de nós” — palavras de Mia Couto ao prefaciar seu Contos de Cães e Maus Lobos. “Os outros somos nós mesmos”, diz o poeta e escritor lusitano, e penso que, ao nos permitirmos viver o outro no instante único da Constelação, alcançamos uma compreensão mais clara e profunda da dimensão humana.

Em Constelações Familiares na Medicina, da editora Cultrix, mostro que como psicoterapeuta, encontro muitas similaridades com o pensamento de Irvin Yalom, também psiquiatra e escritor, autor de Desafios da Terapia, em relação à postura delicada da relação médico-paciente, que está longe de ser uma observação distante e descompromissada com o outro ali em frente.

As Constelações Familiares, método criado pelo psicanalista e filósofo alemão Bert Hellinger, ao lidar com sintomas e doenças, permitem desvendar um mar de informações, vínculos e histórias até então ocultos que, ao atingirem a luz da consciência, ganham sentido e revelam soluções.

Eu vou, mas você fica.

Mais que a força das palavras, permanece a memória do ato, a serenidade de sua assertiva, o estado de choque de nossa mãe e meu desespero diante daquele diálogo inesperado:

– Você vai matá-la com esta conversa, pare com isso. Ele, meu irmão Cassinho, perto de completar 15 anos de vida, apenas segurou minhas mãos e prosseguiu com calma:

– Eu vou desencarnar antes de completar 18 anos, eu vou, mas você fica — dirigiu então o olhar a nossa mãe, completamente paralisada: — Você ainda tem muito o que fazer, e você também — dirigia agora o olhar a mim, que me encontrava atônita diante daquela cena inesperada, uma menina ainda com meus incompletos 14 anos. Ele apenas disse isso e saiu da sala. Nossa mãe, na época com 35 anos de idade, permaneceu em profundo silêncio por longos minutos diante da declaração de seu amado filho primogênito, aumentando minha dor com sua respiração em pausa. Depois, pediu-me, encarecidamente, que não revelasse nada ao meu pai nem a ninguém sobre esse episódio e também saiu, silenciosa.

Procurei esquecer, e a vida seguiu agitada com as atividades da escola naquele mês de outubro de 1971, caminhando para o final do ano, com suas formaturas e festas costumeiras na cidade montanhosa do sul de Minas, Ouro Fino. A vida em família era sempre muito intensa, pois éramos em seis irmãos, com uma mãe que estudava também, concluindo a Escola Normal, e um pai, gerente do Banco do Brasil, que também era um líder religioso espírita de grande presença na vida social e comunitária de toda a região. Pouco mais de três meses após aquele anúncio, Cassinho desencarnou subitamente, devido a um provável aneurisma cerebral. Nossa mãe ficou mais um pouco, mas fez sua passagem, também cedo, aos 55 anos de idade, exatamente vinte anos depois do filho, com um quadro neurológico semelhante.

O Cassinho era um menino especial, desde muito cedo se destacava na família, na escola, sempre com as melhores notas, amoroso e caridoso. Aos 13 anos, já presidia a Mocidade Espírita

da cidade e quantas vezes não abriu nossa casa, escondido dos nossos pais, para abrigar, à noite, menores de rua. — Você dorme tranquila sabendo que tem cama sobrando e menino na rua sem ter onde dormir? — argumentava ele quando nossa mãe pedia mais cuidado em suas ações de caridade.

Eu vou, mas você fica — a força dessas palavras, a expressão serena do meu jovem irmão ao pronunciá-las e a figura estática de nossa mãe permaneceram intocáveis e misteriosas em algum

lugar do meu ser. Quarenta anos depois, durante uma vivência terapêutica como aluna de um curso de formação em Constelação Familiar, conduzida pelo olhar atento e experiente do mestre amoroso e psiquiatra alemão renomado, Gunthard Weber, em Belo Horizonte, essa cena desprendeu-se de mim e se apresentou inteira naquele teatro de atores desconhecidos, embora personagens tão familiares. Era minha primeira Constelação Familiar. Lá estava eu, mais uma vez perplexa, distante, testemunha da minha própria história, impactada pelo destino inexorável de minha família, ouvinte inconformada daquele anúncio de morte.

Que fenômeno é esse das Constelações Familiares que, em poucos minutos, traz à superfície esse mar imenso de memórias, impressões, feridas, estratégias, verdades e segredos, como se fosse aberto um portal e, por meio de uma espécie de bluetooth, esse campo de informações, do indivíduo e seu sistema familiar, se estendesse até os demais, os representantes, o terapeuta e todos os presentes? Naquele instante, tive a certeza de que aquele era um método incrível, com um poder terapêutico ímpar, um presente divino, um mar se encontrando com o horizonte sob um céu claro e azul. Uma prancha a ser lançada em direção aos que pediam ajuda, à deriva.

Gestante com uma doença hematológica grave

Um pacto de sangue!

Certa vez fui procurada por uma colega médica obstetra, hoje com formação em Constelações Familiares, para uma orientação sobre um caso difícil: uma paciente sua, gestante de poucas semanas, portadora de uma doença hematológica grave, de prognóstico reservado — uma mielodisplasia, subtipo anemia refratária — cuja evolução era ainda mais desfavorável

pela gestação. Tratava-se de uma indicação precisa de interrupção de gravidez, autorizada pela legislação brasileira e aprovada por uma junta médica do Conselho Regional de Medicina (CRM) local, que fora consultado.

A médica, especializada em trazer à luz crianças em partos humanizados, estava diante de um grande desafio a lhe tirar o sono. Não poderia abandonar sua paciente de longa data nesse momento delicado. Ela a havia acompanhado na primeira gestação, seis anos atrás, um parto difícil que, devido à sua doença, a levara à UTI, deixando-a entre a vida e a morte por muitos dias. A filha nascera bem e era uma criança saudável. Apesar de toda a orientação contrária a uma nova gravidez, o que lhe traria um risco enorme de complicação e morte, a paciente tinha voltado ao consultório ginecológico, grávida e, o que aumentava a complexidade do caso, decidida a seguir com a gestação, fosse o que Deus quisesse. Em um primeiro momento, atendi a colega médica em uma sessão de psicoterapia com o propósito de se manter mais calma e confiante, de entender melhor seu papel, suas limitações diante do livre-arbítrio da paciente, mas também seu compromisso com a vida, a verdade e a ética. Ela estaria ao lado da paciente independentemente de sua escolha, porém seu aconselhamento era no sentido de preservar a vida da mãe, de alertá-la sobre os riscos, de chamá-la para o compromisso diante da filha de 6 anos e do marido, envoltos em grande apreensão e sofrimento. Também conversamos sobre a indicação de uma Constelação Familiar em que essa paciente pudesse ter um olhar mais ampliado sobre toda a questão. A paciente e o marido concordaram e, dois dias depois, reunimos um grupo especialmente para esse atendimento. Ela veio com o marido, a mãe e a filha pequena. Seus olhos traziam a informação de uma dor profunda, uma tristeza que me tocou a alma mal ela se sentou a meu lado.

A filha, um pouco tímida, escondia-se atrás da avó e do pai. O marido da paciente, algo deslocado, sentou-se calado junto ao grupo, cabisbaixo. Ao mesmo tempo que trazia uma melancolia estampada no olhar, nossa paciente tinha um sorriso discreto, enigmático, que não chegava a iluminar o rosto ou a convencer sobre qualquer intenção alegre, persistente durante toda a entrevista com suas questões dolorosas. Sim, ela sabia dos riscos, mas estava decidida a seguir com a gravidez. Aquele sorriso sem jeito, a lhe reforçar um semblante infantil, na minha observação, sumia quando eu cruzava meu olhar com o dela. Perguntei sobre fatos impactantes na sua família de origem, e nada; nem mesmo sua mãe se lembrava de acontecimentos importantes. Esperei alguns minutos, em uma postura de escuta, o que sempre aconselho aos alunos, atenta para o que estivesse por surgir. Eu estava certa da existência de fatos graves, traumáticos, impactantes no sistema familiar, que reverberavam até essa jovem e traziam sentido à sua doença e a seu movimento sorridente em direção ao morrer.

Já compreendi que faz parte dos mecanismos de defesa não nos lembrarmos de imediato de fatos marcantes aos quais estamos em inconsciente e profunda conexão. Enquanto aguardava, buscava suporte na respiração profunda, e todo o grupo me acompanhava nessa atenção plena. A mãe da paciente, enfim, revelou que sua mãe havia morrido cedo, por suicídio, enquanto ela era apenas uma criança. Sim, aquele era o fato que aguardávamos surgir. Impactante demais, doloroso demais, impossível estar vivo na memória todo o tempo. Confirmei com um aceno de cabeça, e meu corpo foi todo tomado por uma grande compaixão por aquela mãe órfã, sua mãe suicida, sua filha gravemente enferma e a neta buscando refúgio em seu colo largo. Pedi então que a paciente colocasse representantes para ela, sua doença, seus pais e a avó materna.

Enquanto sua representante direcionava o olhar para um ponto no chão, a avó, colocada atrás, virava-se em um movimento lento, dirigindo o olhar para bem longe, como se buscasse outras conexões, como se não pertencesse àquele sistema. Em passos lentos e precisos, a representante da doença hematológica grave da paciente, desse seu eu adoecido, caminhou em direção à avó e abraçou-a com firmeza pelas costas. As duas permaneceram assim, embaladas em um movimento suave e estrondoso, balançando como se fossem uma só alma, um único ser, galhos de uma árvore entregues à ação do vento que soprava e desenhava aquele quadro belo e preciso.

As Constelações Familiares, nesta pequena ponta do iceberg que no momento podemos ver, estampam movimentos psíquicos do ser em um mar de sentido, a desnudar processos complexos, origem, síntese e soluções. Vida, morte e destino. O que aconteceu com aquela avó? O que a levou naquele instante a procurar no suicídio uma solução? Naquele momento, poucos minutos após o início da Constelação, estava claro para todos, inclusive para ela, a paciente, gestante da própria morte, o profundo e inconsciente vínculo com a avó suicida.

Por Dagmar Ramos, médica homeopata, psiquiatra, psicoterapeuta e especialista em medicina preventiva e social pela USP. Estudiosa de Constelações Sistêmicas e Familiares, fundou e coordena o Instituto Brasileiro de Soluções Sistêmicas (IBS Sistêmicas). Autora de Constelações Familiares na Medicina — o que as histórias revelam sobre sintomas, doenças e cura.

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